O MOVIMENTO DO DIVINO MESTRE

O MOVIMENTO DO DIVINO MESTRE

Jair Santana

Nosso personagem, ‘O Divino Mestre’, tratava-se de um homem negro, alfabetizado, que se tornou líder religioso de uma seita[1], e que perturbou as lideranças políticas e religiosas do Recife da primeira metade do século XIX.
           
Em 1846, as autoridades policiais do Recife prenderam o negro livre Agostinho José dos Santos, junto com outros seis negros, (...) Todos se referiam a Agostinho por “Divino Mestre”. De acordo com o chefe chefe da Polícia da Província, fazia cinco anos que Agostinho pregava na cidade, tentando converter mais pessoas à sua crença religiosa. Suspeitava-se todavia que a ‘seita’, na realidade, não passava de um disfarce para se preparar uma insurreição, e que as reuniões promovidas por Agostinho tinham ramificações de sociedades estabelecidas em outras províncias  com o único objetivo de promover uma rebelião de negros. (CARVALHO, 2002, p.111)

O que poderia levar essas pessoas a se converter à seita de Agostinho? Na prática religiosa católica, essas pessoas nem tinham assento na Igreja dos brancos. Poderiam apenas assistir às missas no fundo do santuário. Na comunidade religiosa do ‘Divino Mestre’, todos eram iguais. Além do fato de haver um componente étnico no grupo de Agostinho: era uma comunidade com um líder negro, feita para os negros. Agostinho não queria converter qualquer um, essa foi a proposta do protestantismo missionário, que chegou ao Brasil após 1850.
Mas como Agostinho teria entrado em contato com o mundo protestante? Um colportor[2] chamado Schroeder[3] afirmou que esteve em Pernambuco em 1839. Aqui trabalhou como sapateiro durante três anos, depois se tornou marinheiro. Era um colportor pobre e, devido ao ofício de sapateiro que lhe dava sustento, deve ter evangelizado nas ruas do Recife pessoas simples como ele.  O trabalho desses colportores foi enorme e é muito difícil medir o seu alcance: “A circulação das Escrituras no período 1865-1869 chegou a 18.893 exemplares, e aumentou para 53.755 exemplares no período 1870-1875” (EVERY-CLAYTON, 2004, p. 448).
Outra informação relevante consiste em que: os sete negros e sete negras (seguidores de Agostinho) interrogados no Tribunal da Relação sabiam ler e escrever, pois foram ensinados por Agostinho. Esse fato foi chocante para uma sociedade em que uma parte da elite proprietária de terras era analfabeta.
Agostinho considerava os santos, simples estátuas, sem nenhum valor espiritual. Ele só atribuía valor a “Palavra do Senhor”, que disse ter conhecido por inspiração divina durante uma visão que tivera. Aqui Agostinho se insurge contra a verdade[4] da sociedade de seu tempo. Destoando do pensamento dos católicos e do comportamento sincrético típico de sua etnia que professava valores religiosos afro-brasileiros. O comportamento de Agostinho é uma ruptura com tudo e com todos.



[1] Ernst Troeltsch afirmou que :seitas são comparativamente pequenos grupos. Elas almejam uma perfeição pessoal interior, e seu propósito é uma sociabilidade pessoal entre os membros de cada grupo(TROELTSCH,1960).
[2] Colportor : pessoa que divulga literatura religiosa nas ruas ou de casa em casa.
[3] A nossa fonte não indicou o nome completo do colportor.
[4] “Por ‘verdade’ deve-se entender não o ‘conjunto de coisas verdadeiras a descobrir-se ou fazer-se aceitar’, mas o conjunto de regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro, efeitos específicos de poder” (FOUCAULT apud MUCHAIL, 2004. p. 14).

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